Entrevista com Mons. Slawomir Oder, postulador da causa do Santo Padre João Paulo II
«O sacerdote "por excelência"»
No próximo dia 1º de Maio, o «Papa das Gentes» vai deixar de figurar no rol dos Sumos Pontífices da Igreja e ser alçado a um outro patamar. Um patamar ainda mais nobre. Fará parte, com a culminação de sua beatificação na Praça de São Pedro, numa cerimónia que deverá ser histórica, do rol dos beatos da Igreja.
E certamente o percurso de João Paulo II rumo à santificação não deverá parar por aí. O processo da sua causa continuará, no compasso da comprovação de um novo milagre atribuído à sua intercessão, o passo definitivo para a canonização.
Boa parte desse trajecto de João Paulo II rumo à beatificação e à canonização deve-se a um humilde defensor da «nobreza espiritual» de Karol Wojtyla. Polaco, portanto compatriota de João Paulo II, monsenhor Slawomir Oder é o postulador da causa de beatificação do Papa, espécie de advogado de defesa de sua beatificação, com a incumbência de reunir elementos, depoimentos, testemunhos, dados, etc, que efectivamente comprovem os méritos de Beato de João Paulo II.
Foto: CNS/Paul Haring |
Mons. Oder conversou com exclusividade a Gaudium Press. Na entrevista, além de falar sobre o processo de beatificação, à frente do qual está desde o início, em 13 de Maio de 2005, o religioso aborda ainda os exemplos e as atitudes legadas por João Paulo II e sobre a sua própria vocação sacerdotal.
Gaudium Press - Pela sua experiência como postulador no processo de beatificação de Papa Wojtyla, o que pode um sacerdote moderno aprender hoje com a figura de João Paulo II?
Mons. Slawomir Oder - João Paulo II manifestou-se frequentemente sobre esse assunto. O seu pensamento era que o sacerdote não deve ter medo de não ser moderno porque ele está sempre ligado à missão de Cristo. E Cristo hoje, ontem e amanhã é sempre o mesmo: é sempre moderno e sempre actual. Por isso o sacerdote que vive a sua comunhão com o Senhor e que n'Ele encontra a sua própria identidade não deve ter medo de não ser moderno. Pela ideia que fiz dele, lendo os seus escritos, penso que isto seja o pensamento íntimo de João Paulo II e este comportamento eu tento tê-lo também. É claro que diante do mundo contemporâneo moderno, muitas vezes corremos o risco de parecer estranhos às novas tendências, à moda e de desiludir algumas vezes as expectativas das pessoas. Penso, porém, que teria sido um comportamento fora da lógica do Evangelho procurar a popularidade a qualquer custo e aceitar a modernidade, não apenas ela manifesta: nós não devemos esquecer nunca que estamos aqui porque fomos chamados por Cristo. Durante uma visita ao seminário romano, João Paulo II falou de seu ministério de Pedro: um seminarista havia feito uma pergunta sobre as dificuldades que estava a sentir como vigário de Cristo. A sua resposta foi: «sim, provavelmente seria impossível vivê-lo serenamente se não tivesse a consciência que tudo aquilo que faço, eu o faço in persona Christi». Somos realmente chamados a prestar o nosso serviço, a empenhar a nossa vontade, a usar a nossa inteligência, as nossas mãos conforme a vontade de Jesus. Se vivemos esta comunhão com ele, realmente não temos que ter medo de estarmos fora de moda.
GP - Como nasceu a sua vocação sacerdotal? A figura de João Paulo II, o primeiro Papa polaco, confirmou-a?
Mons. Oder - Talvez, paradoxalmente, atrasou a minha vocação, que estava a crescer, penso, de maneira absolutamente natural e espontânea numa família católica e num ambiente de paróquia. Certamente tinha uma propensão pessoal que se tornou o terreno fértil sobre o qual o Senhor havia lançado a semente da sua chamada. Mas a minha vocação estava a crescer e a amadurecer justamente em concomitância com a eleição de João Paulo II. E então, quando se soube da eleição, vivemos na Polónia momentos extraordinários de intenso entusiasmo, uma atmosfera que acredito que somente alguém que estava presente pode descrever. Naqueles momentos eu pensei que talvez a decisão que estava a tomar neste contexto para a minha vida toda pudesse ser de alguma maneira condicionada por este entusiasmo. E, portanto, em vez de entrar no seminário, decidi inscrever-me na Universidade para esperar que os entusiasmos se acalmassem para poder, assim, decidir de forma mais consciente. Depois o Senhor encontrou o modo para me fazer entender qual era sua vontade. De facto, os anos da Universidade, depois os eventos sucessivos que aconteceram na minha vida, deram-me a certeza que aquilo que eu sentia não era devido somente a um momento de entusiasmo, mas era efectivamente o chamamento do Senhor. No fim dos meus estudos universitários, decidi entrar no seminário.
GP - O senhor teve a oportunidade de encontrar-se pessoalmente João Paulo II. Como era ele em privado?
Mons. Oder - Sim, tive a sorte de poder completar minha formação sacerdotal aqui em Roma, no seminário que ele considerava a «pupila dos seus olhos». Dizia sempre assim, que o seminário, qualquer seminário, tinha que ser considerado por todos os bispos como «a pupila dos seus olhos». E ele expressava-o não somente com palavras, mas também com gestos concretos. De facto, no início de todo ano lectivo, celebrava a Santa Missa na Capela Paulina e depois conversava com muitos de nós. Em seguida voltava ao seminário romano para a festa de Nossa Senhora da Confiança, nossa padroeira, e nessas circunstâncias tive a oportunidade de encontrá-lo. Depois, quando comecei a trabalhar como educador no seminário e em seguida também como oficial no Vicariato de Roma. E então aquilo que me chamava atenção era certamente a sua dimensão humana. Era um homem muito cordial , um homem simples, sincero, cheio de senso de humor, mas também muito sério. Mas, ao mesmo tempo, um verdadeiro homem de Deus que tinha a capacidade de vivenciar qualquer evento, qualquer situação numa perspectiva de um encontro com o Senhor, à luz da sua fé, do seu amor por Cristo. Por isto esta foi realmente uma experiência única, porque o que mais surpreendia nele era por um lado vê-lo celebrar a missa e por outro ser capaz de inserir toda esta riqueza espiritual, este seu comportamento de fé profunda e a sua inteligência na consistência da história. Era um verdadeiro homem e um homem de fé ao mesmo tempo.
GP - O senhor encontrou diferenças entre o João Paulo II que conheceu quando vivo e aquele que emerge da documentação do processo? Descobriu alguma coisa a mais sobre sua figura?
Mons. Oder - Certamente, na ocasião de um processo de beatificação, devemos aprofundar todos os aspectos da vida do candidato. Mas o que mais me surpreendeu neste meu encontro com a figura de João Paulo II foi principalmente a sua transparência e coerência. Realmente não era um homem de duas faces, um em privado e outro em público. Toda a sua humanidade, a riqueza da sua espiritualidade e da sua fé, assim como a vivia em privado, a manifestava em público. E tudo aquilo que manifestava fora, certamente nascia da sua profunda convicção de fé, e é por isto que todos têm de João Paulo II uma imagem única. E aquilo que certamente vem à tona dos papeis do processo é principalmente a intensidade com a qual viveu todas as situações, e esta intensidade era reveladora principalmente de uma grande fé. Esta é certamente a componente mística da sua vida e, isto é, a sua capacidade de ver tudo numa perspectiva de fé e de encontro com o Senhor, na lógica do reino de Deus. E esta talvez não a considere como uma descoberta, mas sim uma confirmação de uma intuição que nascia em quem o encontrou durante a vida. E depois isso foi efectivamente confirmado pelo processo.
GP - Porque foi confiado ao Senhor a função de postulador na causa de beatificação de João Paulo II?
Mons. Oder - Para mim também foi uma surpresa. Foi um dia em que o Papa Bento XVI veio aqui à Basílica de São João para o encontro com o clero romano. Participei deste encontro com grande emoção porque era o encontro com o Papa, o novo Papa. Mas tinha também um pouco de pressa porque era o dia em que devia viajar para a Polónia para participar da Primeira Comunhão de um meu sobrinho. Por isso estava pronto para, depois do encontro, ir para o aeroporto. O secretário do cardeal Ruini disse-me que o cardeal queria falar comigo, depois da decisão do Santo Padre de não esperar os cinco anos canónicos para a abertura do processo de beatificação de João Paulo II, mas que queria iniciá-lo o mais rápido possível. Neste encontro, o cardeal vigário comunicou-me a sua decisão de confiar a mim a função de postulador. Para mim foi certamente uma grandíssima surpresa, mas ao mesmo tempo tive a consciência que estava a começar para mim uma aventura extraordinária.
GP - O senhor disse na apresentação de seu livro «Porque é santo - o verdadeiro João Paulo II narrado pelo postulador da causa de beatificação», que o processo foi o período «mais belo» da sua vida. Para o senhor, pessoalmente, como viveu esta experiência de trabalho como postulador?
Mons. Oder - Esse processo deu-me a possibilidade de aprofundar o meu conhecimento de Karol Wojtyla tanto como Papa tanto como homem. Ele realmente pode ser definido como o sacerdote «por excelência»; a sua humanidade era uma consequência da sua intensa e profunda comunhão com Cristo. Aquilo que disse num seminário romano, «agir in persona Cristi», dá a dimensão da profundidade desta comunhão. Por isso um encontro com João Paulo II torna-se necessariamente um encontro também com João Paulo II sacerdote. Ele mesmo, na homilia pronunciada por ocasião da cerimónia de beatificação da polaca Kózkówna, disse que a Igreja nos propõe modelos, e para suscitar no nosso coração a esperança. E de facto o encontro com João Paulo II sacerdote santo, é um encontro com um sacerdote que viveu concretamente a sua própria vida, para arrepender-se das próprias culpas e faltas e principalmente para converter-se. O processo serve, portanto, ao postulador, também para isso. Mas este encontro com ele serve também para suscitar no nosso coração a esperança. E portanto uma imagem tão extraordinária como aquela do sacerdote João Paulo II - a consciência da sua proximidade espiritual, da sua intercessão e da sua oração - certamente são sensações que renovam o entusiasmo de ser sacerdote e reforçam a vontade de seguir com a graça de Deus as normas que ele traçou no seu caminho de vida, de crescimento sacerdotal, de santidade.
GP - Qual é a sua recordação mais particular de tal processo?
Mons. Oder - Todo o processo foi uma aventura extraordinária. Gosto de pensar, agora que estamos quase no fim, que este processo foi como uma viagem espiritual, através do Mar Magno desta vida extraordinária de João Paulo II, uma travessia assinalada por pequenas paragens nas ilhas dos seus amigos, pessoas que ele conheceu, dos seus escritos, dos seus pensamentos. Tudo isto foi uma aventura extraordinária. Os momentos mais belos? Certamente a partida, o dia de abertura do processo. Depois o encontro com tantas testemunhas durante este processo. E enfim, penso que também agora, nesta fase que podemos comparar à paragem de um navio no ancoradouro à espera da entrada final no porto, é um momento muito belo porque, se de um lado se concluiu a parte do processo relativa às virtudes, do outro está para iniciar a parte do processo relativa aos milagres. Até agora para mim foi uma belíssima aventura, mas penso que os momentos mais belos virão quando chegar o dia em que a Igreja o apresentará como beato e santo.
Entrevista por Anna Artymiak / Gaudium Press
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