quarta-feira, 15 de julho de 2009

Novamente na rua

As baixas continuam pelos mais diversos motivos.
Quem vai prepara e reúne o que pode para que não falte. Mas... no final, há sempre alguém que não recebe a sua parte. Contingências!
A habitual pontualidade na partida foi quebrada pelo atraso de uma hora na chegada do "cabaz" de Leça. Nem tudo corre sempre como esperamos mas, como o programa não é nosso, confiamos...

Apesar desse atraso quase que nem se deu por ele no percurso a não ser pela ausência de utentes na Câmara e na Batalha. Mas os restantes que encontrámos em Júlio Dinis, no Carregal e no Aleixo compensaram bem a diferença.

Na Boavista e em Júlio Dinis havia fome. No Carregal também, mas os estômagos já estavam aconchegados pela visita dos Samaritanos e pela sopa quentinha do amigo M. Rocha, que não se cansa de "Espalhar Afectos".

Porém, a história da noite foi vivida ao lado da Trindade. Tínhamos deixado para trás o Francisco - imerso desta vez em não sei que torpor que o fazia hibernar tombado sobre a sua enxerga, e de que não saíu mau grado as tentativas que fizemos - e passávamos junto ao shopping que ali fica quando nos apercebemos de um ajuntamento num daqueles portais. Voltámos atrás, parámos e fomos ver: eram quatro em torno de um casal que se estirava num cobertor; ele de perna envolta numa extensa ligadura, descalço, e ela ao lado montando guarda. Miséria guardada pela miséria, numa leitura apressada de leigo; mas solidariedade humana numa leitura mais atenta.

Face à limitação física não esperámos que viessem ao carro e, solícitos, quisemos servi-los do que levávamos. Começámos pelos que estavam ao lado. O doente, Manuel F., com quem entretanto já tínhamos estabelecido diálogo, não nos dava atenção nenhuma e, descalço, apoiado no que restava da bengala de um guarda-chuva desfeito, pôs-se em pé, iniciou uma caminhada em direcção às escadas, insensível aos apelos dos seus amigos que não cessavam de o chamar. Atravessou depois o passeio, fez-se à rua, passou ao outro lado, e seguiu com dificuldade ao longo do Largo da Trindade. Finalmente estancou mesmo defronte da escadaria da igreja, benzeu-se calmamente, ajoelhou no primeiro degrau, e, de mãos postas começou a rezar. O quê não sabemos, mas rezava... Com igual calma e dificuldade regressou para junto de nós, comovido. Não inquirimos pormenores dos motivos do seu insólito e devoto procedimento, e foi entre lágrimas e uma oração conjuntamente rezada por si que nos disse:
- Amanhã vou ser operado à perna no Hospital de Santo António!
E lá nos contou a sua infelicidade. Rezámos com ele, prometemos mais oração encorajando-o com a protecção de Deus aos que n'Ele confiam!

Ficámos a pensar: nós que pensamos levar à rua um pouco de Fé e de oração acabávamos de receber uma lição de Fé e de oração! Era digna de um quadro a cena que presenciámos às 11 horas da noite. É cena que fica gravada e não mais esqueceremos...

Do M. F. só conseguimos saber depois que deu entrada no Hospital mas que não resistiu a sair de lá sem operação! Razões? As que regem esta gente que não aceita peias ao livre uso da sua liberdade mesmo com prejuízo dos valores que nós estabelecemos como prioritários. Para ele a saúde pode esperar, a liberdade é que não! Que importa que os ossos cicatrizem fora do sítio se continua a ser senhor da sua escolha?

Estranho mundo este dos nómadas das nossas cidades!

Temos rezado pelo M. F., para que regresse e se deixe tratar. E que se deixem tratar os que fazem da sua vida uma roda viva de vai-e-vem a caminho do Aleixo...

C.