sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Setembro 2009

Vindimas



Este ano o Verão tem-se mantido connosco. Os dias continuam com temperaturas bastante acima do que é costume nesta época. É tempo de vindimas. Na rua ainda se não sentiram os rigores da aproximação do frio, ainda se não reclama roupa de agasalho. Por isso não insistimos em levar roupa a não ser para uma necessidade evidente.

Preparámos o costume, insistindo nas sandes, no sumo natural a copo, na fruta e leite com chocolate. O resto que nos chega das confeitarias serve para compor a ementa.

Há gente ausente, há gente com problemas de vária ordem que não pode vir. Mas há sempre alguém com possibilidade de manter viva a chama da caridade e que aparece, que assegura a recolha dos donativos em géneros e prepara o seu contributo.

Éramos três mas chegámos para tudo. Não preparámos antecipadamente os sacos decidindo servir um-a-um à medida que fossem chegando. Utilizámos até um sistema novo: entregávamos a cada um que ia chegando um saco vazio que íamos enchendo enquanto ele o segurava. Entretanto ia sendo servido o sumo, íamos falando...

O primeiro que nos apareceu era um Russo, o Victor, que nem esperou que saíssemos do local de partida. Mas esperou que terminássemos a oração e a leitura de 1ª. Coríntios, 15, 1-11.

Depois, em J. Dinis, a Tatiana, a Diana e a Liana pediram-nos cadernos para a escola. Levaram sacos, levaram beijinhos e conselhos.

Na Câmara, reencontrámos a Sofia que nos disse que ainda não tinha contactado os Médicos do Mundo. Na vez anterior tínha-nos prometido que o faria para iniciar com o marido o processo de desintoxicação. Temos de ver se encontramos solução para eles.

Morais..., Francisco. Tem aparecido com bem melhor aspecto. Remoçou. Cabelo e barba aparados.

- Quem lhe cortou a barba e o cabelo? - perguntei.

- Fui eu!

- Como?

- Pus um espelho assim, e cortei!

Estava bem aparado. Gostámos do seu aspecto e gostaríamos que se mantivesse, pelo menos, sempre assim, se não for possível mudar para melhor.

Ficou a promessa da amiga Maria de Lurdes de lhe trazer arroz quentinho...

Descíamos a Avenida quando deparámos com um vulto estirado no chão da placa central. Demos a volta, parámos o carro e fomos ver: ergueu-se com muita dificuldade, cambaleando. O peso do álcool era demais para se poder suster. Barba grisalha, cabelo branco, parecia ter setenta anos. Mas não, disse-nos ter vindo de Viana e ter apenas 47 anos!... Encostado ao Rendimento de Reinserção, nega-se a trabalhar, a colaborar com a família, arruma carros e, em 20 minutos - disse-nos ele - fez mais de três Euros. Três Euros que tiveram como destino uns tantos copos...

Falámos longamente. Com roupa em Gaia estava ali em mangas de camisa, ao relento, porque não tinha ido a horas buscar as suas coisas. Dormir, dormiria ali, não sabendo onde seria o ali...

Ainda pusemos a hipótese de contactar o 112 mas, porque o seu estado não nos pareceu justificativo decidimos não o fazer.

Deixámo-lo melhor acomodado num banco do jardim, copo de sumo na mão para anular parte do seu mal, farnel ao lado para matar a fome, e seguimos. Batalha. Mais gente, mais fome, mais miséria.
Ultrapassámos o Carregal e seguimos directamente ao Aleixo. Apenas quatro ou cinco utentes. Ao fundo o carro da Polícia. Pois é: segurança e vigilância permanente!

Sabendo que o centro das operações fora desviado para Pinheiro Torres para lá seguimos. A romaria estava ali! O corropio parecia não mais terminar. Mas terminou com o último saco e com o último copo de sumo! Nem mais!

A nossa oração foi rezada desta vez à porta da amiga M. Lurdes, em Leça. Víramos muita miséria moral, física e material que nos incomodaram deveras. A sensação de impotência para resolver os problemas de cada um com que deparáramos não obstava a que sentíssemos uma satisfação especial, talvez por termos a noção do dever cumprido na medida das nossas possibilidades. Tudo isso agradecemos a Deus, e agradecemos a fartura de que gozamos, a saúde e a família que temos. E pedimos por todos eles, pelos seus anseios e necessidades.

Ao entrar em casa deparei com um desdobrável de campanha política intitulado: "Porto: Um compromisso".

Li a correr e deparei com um capítulo dedicado à segurança onde está escrito:

"Como estaria o Porto, se, em 2002, não tivéssemos invertido a política que estava a ser seguida ou se agora cedêssemos às pressões da oposição para não demolir o bairro do Aleixo?"

E, mais adiante:

"...um combate sério à toxicodependência são exemplos concretos que o País nunca pode esquecer."

Acabavamos de chegar da rua, do Aleixo, do Pinheiro Torres...

Enquanto o Bairro do Aleixo estava deserto por ter a polícia à porta, o Bairro Pinheiro Torres fervilhava de decrépitos frequentadores dos obscuros recantos onde a droga é oferecida e consumida a céu aberto!...

Duas perguntas se colocam ao autarca da nossa cidade:

Quando decide também demolir o Pinheiro Torres, o Bairro da Sé, o João de Deus?
E será que é a mudar de sítio que se combate a toxicodependência?

Tenho pena de quem lê tal propaganda sem ter possibilidade de aferir da sua verdade!

Que Deus nos guarde, guarde o Porto, e guarde Portugal!


C.