quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Fevereiro de 2011

Ontem voltámos à rua.
Preparámos o habitual e reunimo-nos no auditório da Paróquia de Aldoar por volta das 20,00 horas para a junção do que cada um trazia e preparação de 150 sacos individuais. Também a essa hora ainda se contactavam as últimas confeitarias que nos cediam as suas sobras para compor os farnéis.
Demorámos um pouco mais que o costume nas tarefas de preparação da saída por aguardarmos a chegada de duas voluntárias que chegaram carregadas de mais doces, mais salgados, mais pão...
Com certo atraso fizemos a nossa oração. Uma das recém-chegadas, de Espinho, fez a leitura do Novo Testamento na passagem em que Jesus nos diz: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!".
E foi com esse pensamento que iniciámos a volta pela cidade, seguindo desta vez a carrinha de Carregosa pelos Bairros e a de Aldoar pela cidade.
Aleixo quase sem gente, Pinheiro Torres quase todo entretido na hora da função, Pasteleira a recompôr-se de uma rusga inopinada, foi pouca a gente que encontrámos. Vinham quase que a medo por não conhecerem a carrinha, que não ostenta designação de ser de Paróquia.
Que encontrámos? Ia a dizer que nada de especial. Mas não foi bem assim porque especiais, naquela desgraçada situação, são todos eles. Conversámos bastante com "a mãe" e um pouco com a "filha" daquela família desestruturada para quem se não vislumbra réstea de esperança ainda que tentemos criar-lha.
Conversámos também com a "caboverdiana" que tenta convencer-nos que "já está na metadona".
Vimos a desgraça estampada nos rostos velhos e desdentados de jovens para quem "viver" é aquele ió-ió entre a dose e a angariação num contínuo suceder de repetições sem sentido nem objectivo.
Poderemos pensar que são vidas transformadas em nulidades, semeadoras de desgraças. E se algum mérito se lhes pode ver é o de poderem servir de pólos de exercício da Caridade, de destinatários do Amor de Deus que lhes é levado anonimamente...
Mas não é bem assim... É que no meio daquela miséria a que chegaram ainda nos deixam lições de Fé que mantêm no apego com que que guardam e se agarram ao crucifixo, que nos mostram com certo orgulho.
No meio da sua tão patente miséria e perante as suas demonstrações de Fé sou automaticamente arrastado a compará-los com aquele senhor de uma confeitaria que também ontem abordei para ver se tinha sobras que nos pudesse ceder...
- Para quem? Para os Sem-abrigo?... A maior parte deles são malandros que não querem trabalhar. Estão habituados a ter tudo de graça, tudo da Segurança Social e não trabalham. Não é com eles.
E, num monólogo de que nem se vislumbrava bem o sentido nem o objectivo lá foi continuando:
- Então uma senhora que veio trabalhar aqui, dei-lhe meia-de-leite, pão com manteiga e café e mais tarde veio pedir-me outro café. Mas não lho dei! O ajustado era pão com manteiga, café com leite e café, e mais nada!... E é assim, se não lhe damos o que pedem vão-se embora. Por isso é que eu deixei de dar a essa cambada. Sou cristão mas não alinho em alimentar drogados e malandros.
É da sociedade, tem o seu negócio, anda asseado, dorme tranquilamente em casa mas senti-lhe um coração de pedra bem dura!
Aqueles que encontramos na rua são rejeitados pela sociedade, muitos deles já esqueceram hábitos de higiene e não têm onde cair mortos mas mantêm o coração sensível e a Fé na alma.
- Olhe, está aqui! Vê esta cruzinha? Anda sempre comigo!
E enquanto falava ia tirando de um dos bolsos uma pequenina cruz prateada que nos mostrou na palma da mão!
É assim: uns sujos e malcheirosos mas com Cristo, enquanto que outros, impecáveis pessoas de sociedade, O esquecem e rejeitam. Não foi "Ele" que disse que quem fizesse qualquer coisa aos mais pequenos e desgraçados era a "Ele" mesmo que o fazia? Aquele senhor da confeitaria ainda não recebeu a Luz que o leva a compreender que aqueles "malandros" que abomina são a nova "encarnação" de Cristo!...
Mas não fez falta nenhuma o que ele nos não deu. Foi este o primeiro dia em que viemos cheios de sobras de tal modo que, mais logo, voltaremos à rua para terminar a volta que ontem começou.
E na cidade? Soube que não apareceram muitos dos habituais utentes, talvez por se ter perdido a oportunidade de os encontrar a horas nos locais de encontro. São pormenores a afinar. Do relato sucinto ficou a marcar a noite o encontro, quase que encomendado, com um rapazinho de 21 anos que abandonou o internato onde se encontrava. Oriundo do Algarve, deambula sem rumo nas ruas do Porto, rejeitando orientações, num evidente desnorte que exige actuação rápida. A estas horas duas das nossas voluntárias, jovens como ele, escuteiras, num encontro ontem mesmo marcado, tentam orientá-lo de modo que possa reencontrar o seu caminho, evitando que se transforme a breve trecho em mais um caso perdido...

Que o Pai-Nosso que rezámos em roda no fim da nossa noite também por ele fique aqui a constituir uma oração permanente por esta intenção e se transforme rapidamente em Acção de Graças pela recondução à vida deste jovem em crise.
C.

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