domingo, 19 de abril de 2009

Domingo de Pascoela - "A paz esteja convosco"

Após a consulta às leituras para este Domingo no sítio da Agencia Ecclesia, detivemo-nos na proposta de meditação dos Dehonianos. Assim, para este Domingo de Pascoela, propomos não só a leitura das Escrituras, como também um texto sobre a partilha dos bens (vide Intenção Geral do Papa para Abril de 2009, já colocado neste blog). A música para acompanhar o texto chega-nos de Antonio Vivaldi. O «Concerto per Flautino», (RV 443), primeiro andamento.

Depois das Leituras, fica a primeira proposta de meditação (Act. 4, 32-35), deixando as seguintes para ao longo desta semana que agora inicia. Ficam desde já convidados para (re)lerem os Textos e as propostas meditativas seguintes para terça e quinta-feira que vêm. Como sabem, qualquer participação vossa é bem-vinda para o debate.

Votos de uma semana cheia de Vida!

L.


Leitura dos Actos dos Apóstolos, 4, 32-35

Partilha dos bens

«A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma; ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum. Os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder e gozavam todos de grande simpatia. Não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade.»

Evangelho segundo São João, 5, 1-6

Leitura da Primeira Epístola de São João

Caríssimos:
Quem acredita que Jesus é o Messias,
nasceu de Deus, e quem ama Aquele que gerou
ama também Aquele que nasceu d’Ele.
Nós sabemos que amamos os filhos de Deus quando amamos a Deus
e cumprimos os seus mandamentos,
porque o amor de Deus
consiste em guardar os seus mandamentos.
E os seus mandamentos não são pesados,
porque todo o que nasceu de Deus vence o mundo.
Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
Quem é o vencedor do mundo
senão aquele que acredita que Jesus é o Filho de Deus?
Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo;
não só com a água, mas com a água e o sangue.
É o Espírito que dá testemunho,
porque o Espírito é a verdade.»


Evangelho segundo São João, 20, 19-31

«Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:

"A paz esteja convosco"

Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo:

"A paz esteja convosco.
Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós".

Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:

«Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes serão retidos".

Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos:

"Vimos o Senhor".

Mas ele respondeu-lhes:

"Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei".

Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa, e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse:

"A paz esteja convosco".

Depois disse a Tomé:

"Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente".

Tomé respondeu-Lhe:

"Meu Senhor e meu Deus!"

Disse-lhe Jesus:

«Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».

Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.»



A primeira meditação

«A liturgia deste domingo apresenta-nos essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da ressurreição.Na primeira leitura temos, numa das “fotografia” que Lucas apresenta da comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma comunidade formada por pessoas diversas, mas que vivem a mesma fé num só coração e numa só alma; é uma comunidade que manifesta o seu amor fraterno em gestos concretos de partilha e de dom e que, dessa forma, testemunha Jesus ressuscitado.No Evangelho sobressai a ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d’Ele que a comunidade se estrutura e é d’Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.A segunda leitura recorda aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro crente é aquele que ama Deus, que adere a Jesus Cristo e à proposta de salvação que, através d’Ele, o Pai faz aos homens e que vive no amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a família de Deus».


Os Irmãos Dehonianos presenteiam-nos generosamente com três belas meditações que se concluem como uma única. Introduzem-nos, também, no ambiente, na mensagem e na actualização da mesma. Eis aqui a primeira proposta:

AMBIENTE

Os “Actos dos Apóstolos” são uma catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos assumiram e continuaram o projecto salvador do Pai e o levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.

O livro divide-se em duas partes. Na primeira (cf. Act 1-12), a reflexão apresenta-nos a difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por acção de Pedro e dos Doze; a segunda (cf. Act 13-28) apresenta-nos a expansão do Evangelho fora da Palestina (até Roma), sobretudo por acção de Paulo. O texto que hoje nos é proposto pertence à primeira parte do Livro dos Actos dos Apóstolos. Faz parte de um conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém.

Um primeiro sumário é dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da cidade (cf. Act 2,42-47); um segundo sumário (e que é exactamente o texto que nos é hoje proposto) refere-se sobretudo à partilha dos bens (cf. Act 4,32-35); o terceiro trata do testemunho que a Igreja dá através da actividade miraculosa dos apóstolos (cf. Act 5,12-16).

Naturalmente, estes sumários não são um retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30 (embora possam ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve estes relatos (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus”, e posicionam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs).

Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser.

MENSAGEM

Como será, então, essa comunidade ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?Em primeiro lugar, é uma comunidade formada por pessoas muito diversas, mas que abraçaram a mesma fé (“a multidão dos que tinham abraçado a fé” – vers. 32a). A “fé” é, no Novo Testamento, a adesão a Jesus e ao seu projecto. Para todos os membros da comunidade, o Senhor Jesus Cristo é a referência fundamental, o cimento que a todos une num projecto comum.

Em segundo lugar, é uma comunidade unida, onde os crentes têm “um só coração e uma só alma” (vers. 32a). Da adesão a Jesus resulta, obrigatoriamente, a comunhão e a união de todos os “irmãos” da comunidade. A comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade onde cada um puxa para o seu lado, preocupado em defender apenas os seus interesses pessoais; mas tem de ser uma comunidade onde todos caminham na mesma direcção, ajudando-se mutuamente, partilhando os mesmos valores e os mesmos ideais, formando uma verdadeira família de irmãos que vivem no amor.

Em terceiro lugar, é uma comunidade que partilha os bens. Da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum” – vers. 32b). Num desenvolvimento que explicita este “pôr em comum”, Lucas conta que “não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade” (vers. 34-35). É uma forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma efectiva libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida.

Num mundo onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a partilha e o dom, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica diferente e a propor uma mundo que se baseie nos valores de Deus.Finalmente, é uma comunidade que dá testemunho: “os apóstolos davam testemunho da ressurreição de Jesus com grande poder” (vers. 33).

Os gestos realizados pelos apóstolos infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação.A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito, é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A fé dos discípulos, a sua união e, mais do que tudo, essa “ilógica” e “absurda” partilha dos bens eram a “prova provada” de que Cristo estava vivo e a actuar no mundo, oferecendo aos homens um mundo novo. A Cristo ressuscitado, os habitantes de Jerusalém não podiam ver; mas o que eles podiam ver era a espantosa transformação operada no coração dos discípulos, capazes de superar o egoísmo, o orgulho e a auto-suficiência e de viver no amor, na partilha, no dom.

Viver de acordo com os valores de Jesus é a melhor forma de anunciar e de testemunhar que Jesus está vivo. A comunidade cristã de Jerusalém era, de facto, esta comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Actos falam-nos de tensões e problemas – como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição que Lucas aqui faz aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar, confiada na força do Espírito.Trata-se, portanto, de uma descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às Igrejas de todas as épocas.

ACTUALIZAÇÃO

A comunidade cristã é uma “multidão” que abraçou a mesma fé – quer dizer, que aderiu a Jesus, aos seus valores, à sua proposta de vida. A Igreja não é um grupo unido por uma ideologia, ou por uma mesma visão do mundo, ou pela simpatia pessoal dos seus membros; mas é uma comunidade que agrupa pessoas de diferentes raças e culturas, unidas à volta de Jesus e do seu projecto de vida e que de forma diversa procuram incarnar a proposta de Jesus na realidade da sua vida quotidiana.

Que lugar e que papel Jesus e as suas propostas ocupam na minha vida pessoal e na vida da minha comunidade cristã? Jesus é uma referência distante e pouco real, ou é uma presença constante, que me interroga, que me questiona e que me aponta caminhos?• A comunidade cristã é uma família unida, onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”. Tal facto resulta da adesão a Jesus: seria um absurdo aderir a Jesus e ao seu projecto e, depois, conduzir a vida de acordo com mecanismos de divisão, de afastamento, de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência…

A minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de magoar e de espezinhar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os contributos e as qualidades de todos?

A comunidade cristã é uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, da partilha, do serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens…
Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente, será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor? Será cristão aquele que, embora indo à igreja, só pensa em acumular bens materiais, recusando-se a escutar os dramas e sofrimentos dos irmãos mais pobres? Será cristão aquele que, embora contribuindo com dinheiro para as necessidades da paróquia, explora os seus operários ou comete injustiças?

A comunidade cristã é uma comunidade que testemunha o Senhor ressuscitado. Como? Através do discurso apologético dos discípulos? Através de palavras elegantes e de discursos bem elaborados, capazes de seduzir e de manipular as massas? O testemunho mais impressionante e mais convincente será sempre o testemunho de vida dos discípulos.

Se conseguirmos criar verdadeiras comunidades fraternas, que vivam no amor e na partilha, que sejam sinais no mundo dessa vida nova que Jesus veio propor, estaremos a anunciar que Jesus está vivo, que está a actuar em nós e que, através de nós, Ele continua a apresentar ao mundo uma proposta de vida verdadeira.»



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