Há uns tempos que, fruto de meditação e da observação de procedimentos, congeminei escrever sobre este assunto. Não é matéria nova, longe disso, mas, às vezes, certas atitudes podem gerar equívocos se não estivermos sabiamente avisados, e se não tivermos o suficiente discernimento, e é sempre bom saber separar as águas.
Este tema tem um duplo interesse: material e moral.
Na ordem material, as leis das nações, prevendo a ocorrência de situações gravemente condenáveis, sujeitam a punição dos comportamentos humanos à verificação do facto (o "acto") e do intuito (o "animus"). Daí o fazer-se depender de procedimento "doloso" a possibilidade de punição de certos comportamentos tipificados como crime ou faltas no âmbito administrativo sancionadas de outra forma. Só em casos especiais previamente identificados se poderá punir por simples negligência (quando se atribui ao sujeito um especial dever de cuidado).
Por isso, no âmbito civil, concorrem para a punição dos comportamentos individuais o acto e a intenção.
Também segundo a Lei de Deus, que é a que verdadeiramente comanda o Homem no seu todo, por maioria de razão, se exige que, para existir comportamento punível na ordem espiritual haja perfeito concurso desses dois elementos: do acto e da intenção.
Reza o Catecismo da Igreja Católica que, para que se verifique falta grave a qualquer dos preceitos divinos, é indispensável que estejam reunidos quatro requisitos: ser matéria grave, haver pleno conhecimento, agir com intenção e a prática do acto.
Do Catecismo da Igreja Católica:
"§1858 - A matéria grave é precisada pelos Dez mandamentos".
"§1859 - O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento (que abrange a intenção). Pressupõe o conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de Deus. Envolve também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma escolha pessoal. A ignorância afetada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do pecado."
Mas embora todos os actos humanos presuponham a existência de uma intenção, poucos são os que estão sujeitos a sancionamento.
O mesmo não acontece no plano espiritual pois todos, mas mesmo TODOS os nossos actos estão naturalmente submetidos à Justiça Divina, que um dia será exercida sobre nós.
É esta a matéria que nos interessa para sabermos qual o procedimento que agrada a Deus, e qual o julgamento que Deus fará dos nossos actos.
Os Evangelhos estão cheios de exemplos de procedimentos em que a intenção e o acto se não adequam. Seria exaustivo enumerá-los todos, mas poderemos, quase que aleatoriamente, indicar alguns mais representativos.
Abrangendo, como que em definição, a oposição entre o acto e a intenção, S. Mateus relata as palavras de Jesus em 15,8: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim." Idem S. Marcos, 7, 6.
Mas uma das descrições que melhor retrata a oposição e a adequação entre a intenção e o acto é a constante em Mt. 21, 28-30 sobre o procedimento dos dois filhos convidados para ir trabalhar na vinha. "Qual dos dois fez a vontade do Pai?" - perguntou Jesus.
E em S. Marcos, 2, 23-27, surge com clareza a razão de não ser condenável o facto de os discípulos se terem servido das espigas ao Sábado, e de David ter distribuído os pães da proposição. A intenção dos primeiros não era a de desprezar a observação do Sábado nem do segundo as leis do Templo.
E como julgar à luz dos procedimentos dos homens a expulsão dos vendilhões do Templo? (S. Marcos, 11, 15-18.). A motivação está na afirmação de que "A Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos", "mas vós fizestes dela um covil de ladrões.". A desordem ocasionada aparece justificada pelo fim, que lhe é superior: preservar a casa da oração.
Contudo, uma das passagens em que a intenção se mostra com mais força, é em S. Marcos, 13, 41-44, relativamente ao óbolo da viúva pobre. As duas pequenas moedas têm mais peso na apreciação divina que as chorudas esmolas dos ricos, porque a intenção da viúva foi dar tudo quanto tinha.
(A continuar)
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