sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nós e a rua

Embora não tenham vindo a aparecer neste blog relatos das últimas saídas elas têm-se realizado regularmente como previsto.
Cada uma tem a sua história, mudam as situações e os personagens e até os lugares nos parecem um pouco diferentes. São as histórias e as vivências que modificam os lugares.
Júlio Dinis é a rua onde quase começamos habitualmente a noite, intervenientes de há muito habituais, mas nas suas costas alojam-se pessoas com histórias de vidas que nos chocam pela queda abrupta que afectou algumas daquelas pessoas.
- Vladimirr, mecânico. Cá mecânico, em Sibêria também. "Inginheiro"!...
Estas palavras ressoam frequentemente nos meus ouvidos quando lembro o nosso encontro.
Esta e outras situações têm-nos levado a contactar entidades competentes para averiguar das hipóteses de encontrar soluções para estes casos. O do Vladimir estará já entregue. O dos companheiros também. Mas há sempre quem reste sem solução, como é o caso da velhinha Isaura (velhinha em idade e em história na rua)  para quem, no dizer da técnica da SS, não há solução no âmbito do partenariado!
O partenariado é uma associação de vontades que engloba as entidades que prestam voluntariado na rua e que assumem entre si a obrigação de encaminhar e dar andamento aos casos detectados em função de um calendário pré-estabelecido.
Desde a sua criação já se obtiveram alguns sucessos no âmbito de tratamentos de desintoxicação, no encaminhamento de estrangeiros para repatriação e no alojamento de outros. Contudo, certas situações continuam a ficar de fora do leque de soluções possíveis. Que fazer quanto a estas?
Aqui chegados, meditando no que poderemos fazer, uma ideia me acode e não me larga que me diz que restará a CARIDADE. Sim, a Caridade que, tal como o Perdão, terá lugar setenta vezes sete! Assim, se de uma tentativa se não obtêm resultados continuaremos a tentar pelos nossos meios as vezes que forem necessárias até os alcançarmos!
A Isaura volta a estar na rua. Deixou já em Fevereiro o seu quarto na pensão. O apelo da rua é às vezes mais forte do que a segurança de um quarto. A ânsia de liberdade, da sua liberdade de ser e estar, leva estas pessoas a rejeitar a segurança e o aconchego que se lhes oferece. Pouco têm a perder pois já perderam tudo ou quase tudo. Mas a idade não perdoa e a Isaura tem 76 anos. Enquanto o tempo não for padrasto aguentará facilmente a dormir desagasalhada, mal estendida, nem deitada nem sentada, ao longo dos degraus duma escada. Mas quando o Inverno apontar as primeiras chuvas e fizer baixar o mercúrio nos termómetros, será que vai resistir?
Mas também encontramos quem, na sua miséria, tenha uma mensagem para nos dar. A Palavra que levávamos em Julho era a da Paz de Deus. Na Rua Sá da Bandeira, onde passámos perante a insistência de um amigo voluntário de Oliveira de Azeméis, encontrámos um velhinho que se arrumara ao longo do passeio, muito encostado à parede. Tendo-lhe perguntado porque é que não procurava ao menos um patamar respondeu que assim é que se sentia e estava bem. Agradeceu-nos muito a solicitude e rematou por duas vezes:
- Vão! Vão na Paz do senhor!...
Era a nossa frase do dia. Era a Paz que queríamos levar a retornar para nós.
Neste período soubemos que o João iniciou e interrompeu o tratamento. À alegria de o saber internado sucedeu a frustração de o ver novamente na rua ostentando as mesmas mazelas, algumas chagas, o velho vício...
Soubemos ainda que uma outra, mãe de uma moça altamente drogada, também iniciou o tratamento. 
Encaminhámos um casal para a Norte Vida e aguardamos notícias. 
Às vezes a ajuda é necessária mais próximo de nós do que pensamos: que o digam os jovens escuteiros que já tiveram de socorrer outros jovens... Ninguém está a salvo de se colocar incautamente em situações de perigo. É preciso sabê-lo e evitá-lo.
Em Setembro continuaremos.
Até lá vamos amealhar experiências  e procurar soluções. E mantermo-nos alerta, (sempre!) e disponíveis para dar a nossa mão a quem dela necessitar.

C. F. 


  

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