terça-feira, 5 de julho de 2011

As sombras da rua

Sombras



Eles andam aí, só que ninguém os vê.


Falam connosco, mas nós não os ouvimos.


Viajam de noite, vagueiam de dia e ninguém sabe deles.


São como sombras. Ninguém lhes presta atenção, mas são inevitáveis.


Existem desde o início do mundo e vivem sozinhos, à espera que alguém páre para os ouvir.


Se um dia pararmos, escutamos histórias fantásticas. Algumas capazes de mudar a nossa vida.


Eu já parei… E a minha maneira de ver o mundo alterou-se!


Nesse primeiro contacto, elas foram mais fortes do que eu. Ao ver aquelas figuras, tristes, sozinhas, o mundo perfeito abanou e as lágrimas desceram, lentamente, como se receassem ver o mundo duro que as esperava.


Por incrível que pareça, foi uma dessas figuras que se dirigiu a mim e me deu palavras de incentivo e não eu, que pensava ter tudo para os ajudar.


Aquela figura não estava triste, ofendida ou mesmo surpreendida pela minha atitude.


Estava feliz, pois sentia que alguém tinha parado para a ouvir.


Contou-me historias!


Passagens da vida dele: o episódio em que viu a mulher pela última vez, o que o levou a morar na rua e falou do filho que estava a trabalhar em Angola, mas que prometeu que um dia ia voltar para o vir buscar.


Falou-me dos seus amigos da rua e apontou-me o sítio onde dormia.


Disse-me que ainda sonhava ser jardineiro e que, enquanto esperava pelo filho, ia tratar dos “jardins de sua casa” – todos os jardinzinhos da zona.


No meio de tanta conversa, quase se esqueceu da saca que continha a sua única refeição do dia. A saca que eu lhe havia dado.


Quando se despediu e partiu com a cabeça baixa, outras figuras que ouviam a nossa conversa falavam baixinho.


Rumores chegaram aos meus ouvidos: o filho não iria voltar. Elas sabiam-no. O velho sabia-o. No entanto, continuava a acreditar que esse reencontro iria acontecer, pois nada mais o fazia lutar todos os dias.


Com o passar do tempo, outras figuras se aproximavam de nós.


Para trás ficavam as passadas lentas e compassadas da vinda e da ida de todos aqueles seres.


Não queriam saber do saco da comida previamente oferecida.


É sempre assim…


Todos querem falar, todos têm fome de atenção humana, todos precisam de alimentar a ténue esperança de dias melhores. Porém, poucos os ouvem!

Beatriz Sousa - Agrupamento 174 ALDOAR

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