sexta-feira, 14 de abril de 2017
Dia grande o da última Quarta-Feira! De uma assentada regressaram dois à actividade depois de um afastamento forçado que durou cerca de um ano. Durante todo esse tempo foi o Diogo que teve a tarefa de conduzir os voluntários que asseguraram as visitas regulares aos nossos amigos da rua, sem falhas. Ao Diogo e às equipas dessas Quartas-Feiras o reconhecimento e a nossa gratidão pelo seu espírito de dedicação aos nossos amigos e pela teimosia em manter activo o apoio que Franjas Sociais tem por objectivo prestar-lhes.
Por esse apoio continuado e pelo nosso regresso damos graças a Deus.
Retomámos o rumo dos bairros. O Aleixo parece reduzido a um resíduo do que foi como supermercado de distribuição e consumo. Nem meia dúzia vieram procurar-nos. Dentre eles o Miguel, pessoa que foi bem constituída mas que agora está seco e magro.
- Sabe quem é este? - pergunta-nos enquanto nos mostra um cartão pessoal com foto.
- ...
- Este sou eu há uns anos! Era segurança, praticava Kickboxing...
Pois... A figura é a de um atleta mas a pessoa é um perfeito arremedo do que foi. Falámos um pouco na tentativa de lhe restituir algum amor próprio, o suficiente para que possa tentar a emenda do seu actual percurso, mas mostrou-se bastante irredutível e descrente porque as coisas da fé nada lhe dizem.
Pinheiro Torres: íamos desistir desse bairro quando deparamos com a equipa dos Médicos do Mundo, e, junto deles, um dos nossos velhos conhecidos do Aleixo. Era o bastante para pararmos. Depois desse outros vieram e, um deles, disse-nos que era por Deus o ter-nos encontrado pois que estava sem comer. O Paulo era a magreza em pessoa. Com carinho peguei-lhe no braço e senti perfeitamente o úmero, o rádio e o cúbito! Enquanto comia com avidez o que lhe demos, ia deixando sair um ou outro lamento:
- Trinta anos nisto!... Estou farto!...
Lamentava-se pelos anos que tinha e pela vida que não aproveitava.
Lá lhe fomos dizendo que não precisava de passar fome porque havia locais onde distribuíam gratuitamente refeições.
- Mas isso é na cidade! Já viu, estou ali junto à praia que é onde faço algum dinheirinho, como é que eu posso ir à cidade? Quando tenho algum é para o "vício", e se sobra é que posso comer alguma coisa...
É assim o percurso de quem está "agarrado": tudo é orientado para a próxima dose, o resto passa a ser secundário, e a vida destas pessoas decorre unicamente entre o local de fornecimento e o de angariação...
De conselho em conselho fomos encaminhando a conversa para a possibilidade de deixar a droga. Dissemos-lhe que para isso terá de alimentar a fé e manter a esperança, e que nunca deverá perder a oportunidade de ajudar alguém que precise. Nesta altura apontou para um saco de plástico com roupa:
- Sabe para quem é isto? É para um rapaz que mo pediu porque estava a precisar de roupa, e eu dei-lho.
E sabe para que é que eu o queria? Era para vender e fazer algum para a droga. Mas porque aquele me disse que estava a precisar optei por lho dar... A droga espera!
Um dia, num destes relatos, eu escrevi que também havia pérolas no entulho. Neste dia começámos por meditar e rezar parte da Via Sacra de Jesus. O encontro com o Paulo fez-nos recordar o de Jesus com o Bom Ladrão, - que não era nenhuma pérola, antes um salteador justamente condenado face à lei dos homens, - mas que, naquela reviravolta surpreendente, nos demonstrou que todos podemos alcançar a Misericórdia Divina se nos arrependermos e mudarmos de vida. O Paulo, sem mudar a sua vida por causa do domínio que a droga sobre ele exerce, tem um coração de manteiga que se compadece com a dor alheia, e isso é amor ao próximo, é amor a Deus.
Em São Bento esperavam-nos os restantes companheiros da noite ao redor do Sebastião, que se divertia divertindo.
Tirámos uma foto de conjunto, fizemos a nossa oração de agradecimento na tradicional roda, e terminámos dando as "Boas noites" a Maria, nossa Mãe e Rainha do Céu.
Os nossos amigos de Carregosa rumaram a suas casas. No meu caminho segui à Batalha onde deparei com uma carrinha que distribuía alimentos. Parei: eram as "Meninas de Espinho", três amigas que distribuem na Rua de Júlio Dinis e na Batalha. Batalha? Então e o refeitório social?!...
- Só não se pode distribuir refeição quente.
Cercavam o carro muitas das caras conhecidas, utentes habituais da Batalha, que começaram a criticar o serviço do refeitório quer quanto à quantidade quer quanto à qualidade.
Fiquei a pensar: que fazer? Continuar a distribuição na Batalha é um convite a não mudar nada na rua, não o fazer pode significar deixar alguns sem pão...
Mas... vendo o aspecto geral dos reclamantes - fizeram-me lembrar a maioria dos utentes da Rua Júlio Dinis - que estão na rua apenas à hora da distribuição, ainda que, às vezes, até altas horas, por vício de vida e não propriamente por precisão, pareceu-me que o grau das suas exigências tem mais a ver com certa habituação do que com a necessidade.
Temos visto nas sucessivas idas à rua que se movimentam de um para outro lado sem dificuldade. Neste mesmo dia o Sebastião, com quem alguns minutos antes tirámos uma foto em São Bento, apareceu pouco depois na Batalha na distribuição das "Meninas de Espinho"...
Por isso, se houver quem precise, tem como alternativa deslocar-se um pouco a São Bento ou à Câmara...
Concordamos com a criação de espaços e lugares em que os amigos da rua possam viver com mais dignidade. Com política ou sem ela, os refeitórios sociais tentam responder a uma sua evidente necessidade, e acompanhamos a sua criação e existência. Por isso, numa primeira análise e pelos motivos descritos, rejeitamos a hipótese de retomar a distribuição na Batalha.
Na rua queremos alimentar pessoas mas não alimentar vícios.
E dar bom conselho também é uma obra de misericórdia.
Santa Páscoa!
segunda-feira, 10 de abril de 2017
A Ressurreição na rua
Bom dia caros amigos!
Hoje é dia de boas notícias para o nosso grupo: depois de uma ausência prolongada por motivos de saúde, o José Augusto e eu voltamos à rua.
Assim, na próxima Quarta-feira retomamos as duas rotas: cidade e bairros, com duas viaturas, e reforçamos a distribuição com mais 15 sacos, que ficam a cargo de:
- ML/Virg/C: 35 + um termo de café/café com leite e um garrafão de sumo de limão;
- Carregosa/VC/Chave: 40 + café e sumo
Atenção: Não esquecer os copos!
A oração de partida fica ao cuidado dos jovens do grupo do Crisma.
A oração final será feita junto à Estação de S. Bento no caso de termos a companhia de um grupo de jovens estrangeiros do Erasmus que se propuseram ir connosco.
Como estamos na Semana Santa iremos aproveitar para sensibilizar os nossos amigos da rua para a importância das coisas de Deus e da necessidade de ajustamento das nossas atitudes e opções à mensagem do Evangelho.
Boa preparação!
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