domingo, 14 de junho de 2009

Na rua em Junho de 2009

Uma partida informática impediu a publicação oportuna da notícia da última saída, mas cá estamos novamente dando conta do que de mais relevante encontrámos.

Dia 10 foi dia de festa mas isso não se notou na rua. Já houve tempo em que todo o País se sentia em festa mas agora parece que tudo se resume apenas ao palco das comemorações. A miséria não se limita apenas à fome e à carência de habitação ou de habitação condigna, mas a que mais grassa por aí é a moral, e esta toca a todos, mesmo aos bem instalados na vida e, até, no poder.

Para nós era dia de saída, de ir mais uma vez ao encontro daqueles que já não vão em "políticas", e que só costumam saborear as festas dos outros, sejam as do S. João ou o as do futebol. Aproveitam de uma e de outra as migalhas que lhes vão chegando...

Para nós, as dificuldades começaram a surgir bem cedo: um, dois, três dos habituais companheiros estavam impedidos de poderem ir neste dia. Nada nos demove. Confiamos e Deus fará o resto.

Como habitualmente, cada qual preparou as suas coisas, mas não contámos desta vez com a preparação prévia dos sacos para o Aleixo, por isso, regressámos à primeira forma de ir andando e servindo... e não é que deu certinho?

Fizemos a nossa oração como de costume e lá seguimos. Os utentes depressa começaram a surgir mas, como vinham assim iam, a correr...

Desta vez encontrámos o Francisco conversador, ria por tudo e por nada. Quase que hilariante, não era o mesmo Francisco que se entretém sistematicamente a fazer quadradinhos atrás de quadradinhos numa repetição incrível de paciência e monotonia. Foi a primeira nota interessante da noite.

Mais adiante, o carrinho da Associação "Espalhar Afectos", com afectos distribuía a habitual sopa e não só. Coração grande e raro o deste amigo que, sozinho, todos os dias marca presença nas ruas do Porto para encher estômagos e aquecer corações.

Mas, a marca do dia, como quase sempre, ficou no Aleixo. Muitos vão e vêm e, entre eles há sempre alguém que pára! E pára o tempo de que precisa para fazer o que é raro neles: conversar!

Desta vez foi o J.C.: alto, bem constituído nos seus trinta e poucos anos, aproximou-se sorrateiramente de nós. Servimo-lo e quis saber quem éramos.

- Alguma religião? - perguntou.
- Sim!

E, sem esperar pela resposta, atirou logo:

- Não me digam que são católicos porque eu com os católicos não quero nada!... Fizeram muitas asneiras ao longo da história, como essa da Inquisição, por isso não quero nada com eles!

- Mas somos mesmo católicos!
- Bem... mas vocês ao menos, se estão aqui é porque não são como eles.

E lá continuámos a conversa sobre o desinteresse de discutir números de quem foi o pior ou o melhor num mundo em que o desacerto tocou a todos em várias épocas da História, em que os comportamentos foram influenciados pela mentalidade desses tempos e não pelos desta época, que também não é exemplo de dignidade de comportamento humano em muitos grupos e países.

- Onde está o Homem está a imperfeição, o erro, o desvio, independentemente da ideologia que anima o grupo ou organização!
- Lá isso é verdade...

E falámos sobre ele, a sua situação e o tempo passava... Largos minutos depois desabafa:

- Estava mesmo a precisar disto! Já nem sei há quantos anos não converso assim!... Mas sinto que me está a fazer mesmo muito bem!

E continuámos mais um pouco. Mas tínhamos que vir embora porque o dia seguinte era de trabalho para alguns. Antes de nos despedirmos pergunta se me pode dar o seu contacto.

- É que quero continuar a conversar consigo. Preciso e faz-me bem.

Deu-me o seu número de telefone e do telemóvel e despediu-se. Enquanto se afastava ia voltando a cabeça e acenando uma despedida como se o nosso fosse já um conhecimento velho, estimado, saudoso...

A nossa noite tinha chegado ao fim. Sentíamo-nos leves. Passámos aquela noite como que voando nas ruas da cidade, tocando aqui e ali, ajudando quem precisava, distribuindo calor e carinho. E esse calor e ternura que levámos estava também connosco, e fazia-nos voar por sobre a miséria com que deparámos e ver sair dela e de algumas das suas vítimas inusitados sentimentos de bem, de gratidão, de singela inocência...

C.